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Desabafo de intercambista

Publicado junho 15, 2015 em Textos
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Foto: Eu em Topanga Canyon Park, CA, pertinho de casa…

Muita gente já quis, pelo menos alguma vez na vida, fazer intercâmbio em outro país. A experiência cultural, linguística e pessoal é realmente algo que quem não experimentou só consegue imaginar. Vários intercambistas dizem coisas parecidas, mas para cada um o período é diferente e muda a pessoa de uma forma. Vou contar aqui como foi para mim.

Fui abençoada com uma bolsa de estudos integral do governo que até os pais mais apegados não podem botar defeito. Fiquei um ano nos Estados Unidos fazendo graduação-sanduíche numa universidade estadual da Califórnia, em Los Angeles, com a placa de Hollywood e a calçada da fama bem ali pertinho. Vivi o ano mais intenso da minha vida.

É verdade que a gente muda depois de um intercâmbio, pelo menos foi para mim. E não é só o fato de você ver tantas coisas que parecem melhores do que as que você estava acostumada, ou como as amizades e relacionamentos se tornam fortes, ou como tudo é uma aventura. Vai muito além disso. Viver um ano em uma nova realidade te leva a rever um tanto de coisas que você achava importante, faz perceber o que (e quem) permanece de verdade junto com você, cria novos objetivos para sua vida e te faz crescer de tal forma que ao voltar para a realidade antiga tudo parece meio… velho demais. Como se você não pertencesse mais, de alguma forma.

Joguei um tanto de coisas fora quando voltei, coisas que ficaram, praticamente metade do que eu tinha guardado, e não só porque eu trouxe um monte de roupas (gente, impossível resistir aos outlets dos EUA, né?), mas porque parecia que a antiga “eu” não morava ali mais. Voltei com sede de renovar e com outras prioridades, talvez um pouco mais séria e mais independente, mas também triste por não poder voltar… porque lá era minha casa.

É estranha a sensação que fica de que você vai voltar logo pro seu quarto nos dormitórios, que vai entrar naquelas salas de aula outra vez, que vai comer no restaurante universitário… como se o afastamento fosse breve. A pior parte é que não é. Tudo continua vívido na sua mente e no seu coração, as pessoas que conheceu, é como se você pudesse bater na porta vizinha e falar com elas. Isso não sai de você. Talvez com algum tempo, mas de certa forma eu não espero que saia. É um coração partido doloroso, uma saudade que não dá pra matar, que te faz ficar avoada e não se sentir totalmente onde está, que te faz sorrir e quase chorar quando vê aquela cidade em um filme, mas ao mesmo tempo é reconfortante porque você fica feliz por ter acontecido e aquelas lembranças fazerem parte de você.

Se eu desencorajaria alguém a fazer intercâmbio pela saudade, tanto do que você vai deixar aqui quanto do que vai deixar lá na volta, a resposta é: de jeito nenhum! É sim muito estranho construir uma vida com a qual você se acostuma e passa a amar, e então ser tirado dela de repente, às vezes em seu melhor momento. Mas não viver tudo isso seria ainda pior. Então eu prefiro usar minha experiência para planejar as próximas viagens e os reencontros com quem conheci. Penso em tudo o que ganhei e levo a saudade com carinho, sabendo que para cada coisa existe um tempo, que não pode durar para sempre.

Vista da academia de ginástica da universidade. Perfeita representação visual da California para mim…

Agora vou contar um pouco sobre Los Angeles. Podia ter um melhor sistema de transporte público, menos carros e trânsito, e os estágios podiam te pagar alguma coisa, pelo menos a gasolina. Santa Monica é meu lugar preferido, e como sinto falta daquele calçadão no fim da tarde, com as palmeiras e o pôr-do-sol californiano… Sinto falta de falar inglês, do laboratório de Animação com seus computadores maravilhosos, dos meus professores que trabalham em estúdios como Disney e Warner Bros. Sinto falta de dar uma escapada para Vegas, e de ir à Universal Studios e enfrentar fila para brincar num simulador 3D, e do tanto de lugares lindos nas montanhas que descobríamos rodando horas no carro com a capota abaixada, bem no estilo Hollywood. Aliás, Hollywood não é todo o glamour que se pensa, mas por outro lado Beverly Hills…

Sinto falta de sentir que tenho uma chance de trabalhar numa empresa master, e ser de fato chamada para entrevista em um estúdio responsável por uma franquia cinematográfica baseada em uma série de livros famosa que adoro (mas então não ser aceita, provavelmente por ter que ir embora para o Brasil tão cedo…). Sinto falta de estagiar nos bastidores de um filme de uma produtora menor, realizando aquilo que queria e não acreditava que ia conseguir. Virei fotógrafa, assistente de cenário e até figurante! Fui surpreendida mais vezes do que pensei, mudando ideias esteriotipadas que tinha das coisas (e confirmando algumas também…).

Festas de fraternidade, copos vermelhos, relacionamentos internacionais, amizades estrangeiras, mais amizades brasileiras do que se esperava, trabalho duro, dias de extrema saudade, nenhum tempo para a escrita. Ter roomates e momentos românticos dignos de filme, festas na piscina, dias de insegurança, solidão, planos de futuro que você não consegue traçar.

Se você tem a oportunidade e está em dúvida se vai ou não, eu digo: vá fazer as malas. A bagagem que você trará de volta não tem preço.

- Paula Ottoni





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